quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Quer casar comigo?


Aquela pergunta não lhe saia da cabeça. Por quantos anos esperou, ansiosamente, por aquele momento? Sua mãe sempre dizia: “mulher que não casa não tem serventia nesse mundo”. Ela já beirava os trinta anos. Era jovem ainda ou já se tornara uma encalhada? “Tristes das mulheres que não encontram marido. Tornam-se noviças ou ficam para titia mesmo, dando trabalho aos parentes pelo resto da vida. Pobre sina essa que as mulheres de outrora temiam...” pensava Lívia, com suspiros prolongados, assim como os pensamentos. 

Pela janela da sala lúgubre, de paredes brancas e mobília gasta, a mulher de cabelos longos, pretos em contraste com a pele clara – quase transparente – observava as pessoas que passavam. Muitos iam solitários, seguindo a escuridão da noite. Outros passavam acompanhados, rindo a esmo, traçando planos compartilhados. E ela estava ali, com quase os seus trinta anos, sentada em uma cadeira de balanço e espiando a rua pela janela.

A vida passa depressa... Como, então, recusar um pedido de casamento? Mas as coisas estão tão mudadas... Será que o melhor não seria aproveitar a vida de solteira, saindo, rindo, dançando, conhecendo pessoas novas? Para isso, ela teria que ultrapassar aquelas paredes brancas e, pior que isso, esquecer os preceitos que a sua mãe fez questão de lhe ensinar, por toda a vida. Não, não. Isso é bobagem. Lívia sabia muito bem que a mulher, para ser mulher realmente, tem que ter casa, marido, casa cheia de filhos. Ela sabia que nascera para isso, porque, então, esses pensamentos agora? 

A brisa da noite penetrou com força, de repente, a janela da sala, interrompendo as divagações da mulher solitária. Os quadros pregados nas paredes levavam Lívia a imaginar a vida daquelas que foram as suas antepassadas. Teriam elas sofrido as mesmas aflições, quando tomadas pela proposta que todas as mulheres anseiam receber?  Ela nunca haveria de saber.

Namorado nunca tivera, apesar de ter feito certo sucesso com os garotos da Rua da Mangueira, onde viveu, praticamente, toda a infância e adolescência. Mas a timidez e as convenções sociais da mãe não permitiram que um “amor de verão”, ou um “amor para a vida toda”, surgisse. Por isso, ela não sabia como reagir num momento como este. O susto, o medo, a dúvida e a felicidade decidiram atuar em um só momento. As pernas tremeram, o coração disparou e as palavras decidiram fugir. Todas na mesma velocidade. Quer casar comigo? Sim, quero. É tudo o que eu quero. Tudo que eu sempre quis. Era isso que ela gostaria de ter dito, mas não podia, porque o momento era outro e as palavras fugiam incansavelmente e inalcançavelmente. 

O tempo passou e ela não percebeu. Era a hora de fechar a janela. Levantar da cadeira de balanço que, há muito tempo, tornara-se a sua única companheira nas noites intermináveis de ilusões. O vaivém da cadeira fazia-a viajar em situações, em momentos nunca vividos. Lívia tremeu, hesitou, emocionou-se. Mas não precisava responder ao pedido. Quer casar comigo? é uma frase que ela nunca teve a felicidade de ouvir. 

Na verdade, a proposta foi do mocinho para a mocinha da telenovela. Aquela, bem melodramática, que a solteirona não deixava de assistir. Se a mocinha respondeu sim ou não, Lívia não sabia. Ela estava a imaginar-se no seu lugar. Saiu da cadeira, fechou a janela e foi para a cama vazia, que nunca sentiu o calor noturno de uma alma masculina. 

Edilane Ferreira
Graduanda do 6º período de Jornalísmo em Multimeios da UNEB

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