sábado, 24 de setembro de 2011

"Saudade sim, Tristeza não"




Era noite de domingo, nove de julho de 2001. Francisca Leandro estava em casa com o filho mais velho quando o telefone toca. Do outro lado da linha, recebeu a notícia mais dolorosa de sua vida: o filho caçula, Ubirleide Leandro, sofreu um acidente perto da cidade de Caxias e estava internado em estado grave.

Na verdade, Ubirleide já estava morto. Mas preferiram prepará-la antes de dar a informação triste.  Como dizer para uma mãe que seu filho, aos 21 anos e sete meses, no auge da juventude, não iria mais comer tomate e manga verde com sal, sentar com os amigos para tomar aquela cervejinha ou pular carnaval?Coisas que adorava fazer. Sem falar dos planos e projetos futuros interrompidos em fração de segundos.

Depois de resolver os trâmites legais, na terça-feira pela manhã o pai chega a casa da família com o corpo do filho. O clima no velório era de sobriedade. A alegria e as brincadeiras de Ubirleide já não existiam mais.  No rosto dos familiares e amigos, apenas sofrimento. Ao mesmo tempo, Francisca era confortada, a dor que percorria suas entranhas, era semelhante a que sentiu quando o colocou no mundo. “Senti dores, iguais as do parto”, declara ao tentar descrever o momento. 

Chega a hora do sepultamento. Talvez a mais difícil, pois é a despedida. Na volta pra casa Francisca, reuniu forças para terminar de preparar os rituais fúnebres. “Passei uma semana organizando lembrança e missa do sétimo dia”, lembra.

A morte prematura do filho trouxe uma reconfiguração do ambiente familiar e da rotina de Francisca. Assim como o filho mais novo e o marido, também dirigia caminhão. O trauma da perda a fez mudar a atividade profissional. Para suportar a saudade de Ubirleide, passou a ir diariamente ao cemitério. “No início levava flores, acendia velas, rezava e chorava muito no túmulo dele”, conta.


Seis meses depois do sepultamento, dona Francisquinha, como é carinhosamente chamada pelos coveiros, construiu o jazigo da família e transferiu os restos mortais do filho. No momento da transferência do tumulo para mausoléu abriu o caixão. O corpo de Ubirleide inerte parecia ter a mesma aparência de quando estava vivo, o que a emocionou profundamente. A partir daí, além das flores que costumava levar, passou a depositar no túmulo objetos que tinham significado para ele.

Anos depois, a rotina de dona Francisca é a mesma. O dia começa cedo no terminal de ônibus da cidade. Arruma as plantas e o tabuleiro de doces e queijos que serão comercializados no decorrer do dia. No final de tarde, vai com o marido para o cemitério visitar o túmulo do filho, ritual que já dura uma década. “Enquanto for viva, não deixo de ir lá”, comenta. A única vez que deixou de visitar o filho foi quando quebrou o pé e o marido estava viajando. Ela ainda assim queria ir ao cemitério, mas não havia quem a levasse.

Dona Francisa é uma mulher de poucas palavras, monossilábica. A força dela vem das adversidades.Todos os dias, por volta das cinco e meia da tarde, ela segue em sua caminhonete vermelha carregada de plantas para o cemitério. Enquanto seu Severino conversa com o coveiro, ela percorre os corredores estreitos do local, entre uma cova e outra, até localizar o túmulo do filho.

Ao chegar ao mausoléu da família, com fachada em mármore e portão metálico dourado forrado com tela, começa a arrumá-lo. À noite, uma porta também dourada típica de estabelecimentos comerciais é baixada para impedir furtos.  O ambiente é nostálgico. Uma tolha branca de linho cobre o túmulo. Nas laterais dois pufes que acompanham tapete e almofada. No quadro, a fotografia de Ubirleide vestido com um abada de carnaval. As prateleiras com objetos de decoração, vasos com arranjos de flores naturais e latinha de cerveja, refrigerante, frutas e um recipiente com sal de cozinha. “Essas coisas demonstram o que ele gostava”, diz dona Francisca sobre o sentido de trazer esses objetos para o cemitério.

O zelo ao jazigo, ao longo desses anos, foi a maneira que encontrou para lidar com a tristeza, a dor da perda. “É como se aqui fosse a casa dele. Penso que não morreu, apenas se mudou para outra cidade e um dia volta”, declara. Agora, ela pensa em reformar o jazigo. Tapete, toalha e jarros vão ser trocados para compor a nova decoração que será azul. Cada objeto exposto revela o amor e cuidado em preservar a memória do filho. “onde ele estiver vai ver o carinho que sinto por ele”, conta.

A preocupação de dona Francisca é que o túmulo de Ubirleide não fique abandonado quando vier a faltar, por isso já avisou a família que quer ser enterrada em sua terra Juazeiro do Norte e os restos mortais do filho devem ser transferidos e colocados no mesmo mausoléu com os dela. “Quero que fique junto de mim”, declara. Ela acredita que a morte traz tristeza e Deus não quer tristeza. "Saudade, sim... tristeza, não".

Por Josélia Moraes (texto e foto) e Paloma Aimée (texto)

2 comentários:

  1. Não estou acreditando no que estou lendo....
    minha sobrinha... você tem razão: " saudades,sim! tristeza, não!
    QUE ASSIM SEJA!
    SAUDADES...

    ResponderExcluir
  2. Paloma Aimeé, toda vem que releio este texto me lembro com lágrimas nos olhos, a pauta da disciplina falava sobre morte, e logo depois você partiu. Descanse em paz, querida amiga, jamais vou me esquecer dos momentos que passamos juntos. Breve, é verdade, mas de grande valor. Beijos na alma.

    ResponderExcluir