“Olha a banana, aê! É só um R$ 1,50. Chega aqui, freguês!Na barraca tem pimentão, cebolinha, moi de verdura. Leve vá, só por R$ 1,00”. Todos os dias, a mesma gritaria. Todos os dias, antes mesmo do sol nascer, dona Maria se joga na porta do mercado Joca de Souza de Oliveira. E se joga mesmo!É só olhar para o chão sujo da rua, para a cor dos seus pés e unhas. Ela quase se confunde com o meio fio.
Quem olha para baixo, procurando aquela voz rimada vê uma senhora de saia, lenço na cabeça, sentada ao chão e as mãos tão acostumadas a descascar o feijão que nem olha para bacia. Ela se comunica de todas as formas. Ao tempo que ela chama o freguês, o movimento dos dedos enche o saco de feijão e mostra as suas mãos calejadas e acostumadas à labuta. Ao tempo que ela grita, seus olhos falam. Mas nem todos enxergam o olhar de dona Maria, nem todos conseguem ver além de uma senhora jogada na calçada interrompendo o trânsito.
A feirante é invisível na Rua Oscar Ribeiro. Mesmo tão larga, mesmo com a rua sempre mostrando quem está ali, quem passa de carro anda como se fosse um pedestre. Velocidade controlada, olhos atentos ao vai e vem de pessoas atravessando sem temer aos automóveis. Se vacilar, kabum! O carro pode bater em uma das bancas de laranja que dividem a rua com o trânsito.
O motorista sempre olhará para o mercado. É sempre necessário se desviar dele. O mercado também está na rua. E a pessoa que passa precisa dividir com dona Maria as calçadas da Oscar Ribeiro. Desde os dozes anos, dona Maria ganha o pão de cada dia, no início na companhia da mãe que vendia no antigo mercado. Assim como os irmãos, dona Maria aprendeu a vender as verdurinhas que alimentou os cinco filhos que tivera e que hoje seguem profissões diferentes da mãe. Um é policial, outro professor e três estão estudando. Dona Maria é uma batalhadora. Mas dificilmente essa qualidade ficará visível aos olhos de quem passa. E se reconhecer o exterior do mercado é difícil, imaginemos o interior.
Do lado de dentro há outra dona Maria. E, ainda, vários “seu Zé”. Tem dona Maria do queijo, seu Zé do artesanato; tem dona Maria do restaurante, seu Zé das verduras; tem dona Maria da roupa, tem seu Zé do toicinho; tem dona Maria do mocotó, tem seu Zé do Restaurante; tem Dona Maria das frutas, tem seu Zé do Peixe. Cada Zé e cada dona Maria dizem muito sobre o mercado.
José Carlos da Silva, o Zé do Peixe, diz muito sobre o que é o mercado. São trinta anos provendo o seu sustento dali. Os pés inchados, o fácil manejo do facão. Sangue é uma das cores que compõe a sua roupa que era branca, mas de tanta escama virou estampada.
Quem olha para seu Zé vê um vovô simpático. Com o sorriso sempre aberto, ele sempre dá boas vindas a quem chega ao mercado. Assim como todo vendedor do mercado, a lábia é a sua principal fonte de renda. Isso porque não é o peixe que “se vende”, são as histórias do pescador que vendem o peixe, geralmente histórias de pescadores e da região. E não precisa perguntar, basta apenas dizer: “quanto tá o peixe?”. Isso é suficiente para você, encantado com todas as lorotas, esquecer até o valor do peixe.
Seu Zé vende todo tipo de peixe, mas como uma bula de remédio sempre indica algumas contra indicações. Com o sotaque bem carregado, quase cantando questiona:
- E você é solteiro(a)?
- E você é solteiro(a)?
Ele repete essa pergunta toda vez que alguém procura pelo peixe “caboje”. Isso porque seu Zé não quer causar problemas matrimoniais. Segundo ele, o “caboje” tem poder afrodisíaco.
- Quando você coloca o primeiro pedaço na boca, na mesa mesmo, você já sente “umas coisa estranha”, uns rabichos, uma vontade de...
- Mas é verdade seu Zé?, pergunta a freguesa.
- Oxe, tô dizendo menina. Cê tá pensando que tenho 29 filhos com sessenta e cinco anos de que jeito?
- E o senhor tem 29 filhos?
- A última tem seis meses. Uma princesinha. Quando crescer vai trabalhar aqui.
E como cada ser em si carrega uma crença. O caboje desperta a curiosidade, mexe com a fé, vamos levar, né?
- Oxe, tô dizendo menina. Cê tá pensando que tenho 29 filhos com sessenta e cinco anos de que jeito?
- E o senhor tem 29 filhos?
- A última tem seis meses. Uma princesinha. Quando crescer vai trabalhar aqui.
E como cada ser em si carrega uma crença. O caboje desperta a curiosidade, mexe com a fé, vamos levar, né?
Assim como seu Zé do peixe, dona Maria dos remédios vende pela crença. Em sua banca tem remédio pra tudo. São ervas medicinais, sementes, pó, sal grosso, óleos. E ela não só vende, ensina como preparar cada medicamento.
- O que a senhora mais vende?
- Sal grosso. Quem não quer afastar mal olhado?
- E a senhora já tomou banho de sal grosso?
- Claro, minha filha. Tenho 20 anos de mercado. Trabalho nisso desde quando trabalhava no antigo mercado, que ficava no Cais. Então, não posso deixar de proteger minha barraquinha. Toda semana jogo o sal grosso. E quase todo dia tomo banho carregado.
- E funciona?
- Claro, o sal puxa “as coisa negativa”.
- O que a senhora mais vende?
- Sal grosso. Quem não quer afastar mal olhado?
- E a senhora já tomou banho de sal grosso?
- Claro, minha filha. Tenho 20 anos de mercado. Trabalho nisso desde quando trabalhava no antigo mercado, que ficava no Cais. Então, não posso deixar de proteger minha barraquinha. Toda semana jogo o sal grosso. E quase todo dia tomo banho carregado.
- E funciona?
- Claro, o sal puxa “as coisa negativa”.
O mercado Joca de Souza tem disso também. Não é só de barulho, de verduras e frutas que se ganha a vida. No mercado até crenças são vendidas. A fé é um grande álibi. O ambiente é assim, um infinito particular que se sobressai ao óbvio. Basta olharmos as donas Marias e seus Zés, porque cada um deles conta um pouco de nós.
Graduanda do 6º período de Jornalismo em Multimeios da UNEB
Amanda Franco (foto)
Graduanda do 6º período de Jornalismo em Multimeios da UNEB
Michelle, parabéns pela crônica! Adorei!
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