Habitualmente no percurso entre o Country e o terminal de ônibus de Juazeiro não me surpreendo mais com o que vejo, me deparo com a mesma Juazeiro de todos os dias. Entretanto, hoje, perante os seus 133 anos, entorpeço o meu olhar para poder enxergá-la. Talvez, desta forma, entenderei porque nossas retinas deixaram de olhá-la de modo apaixonado, porque ela está assim, pálida e desinteressante.
Adentrando o ônibus, questiono-me: como poderei vê-la? Logo, concluo que preciso primeiramente desconhecê-la, para posteriormente, cara a cara, lhe encontrar e identificar a origem da sua falta de nitidez. Ao passar pela catraca do coletivo, deixo todas as minhas impressões para trás. No fundo do ônibus encontro um assento adjunto à janela. A partir daquela fresta, começo a investigar.
O passo acelerado das pessoas, ambulantes à beira da calçada, a velha pedinte sentada no banco. São as primeiras imagens que, através da janela, identifico. Com o ronco do motor desvio meu olhar, o veiculo está lotado, algumas pessoas conversam entre si, outras consultam fixamente seus relógios, duas lêem e, estranhamente, encontro-me só, olhando os caminhos de juazeiro.
Após o ônibus partir, o cenário se modifica. Surge um semáforo, um posto de gasolina, pessoas e carros, mas, repentinamente, fico incomodada, sinto um odor, também ouço muito barulho. Curiosa, encosto a cabeça na janela, aperto os olhos para ver a algazarra, ainda distante, enxergo apenas pessoas. Aproximando do local mato a charada, são ambulantes, ou, como está escrito na placa enferrujada afixada na parede, trata-se do Mercado Joca de Souza Oliveira. O ambiente é tumultuado, uma compilação do som alto dos carrinhos de venda de CDs e DVDs pirata aliada ao berreiro dos vendedores e o aroma indesejável de animais e frutas podres.
Volto-me para os passageiros a bordo, reconheço nos seus olhares certa repugnância ao Mercado, suponho que seja pelo seu aroma fétido ou talvez pela desordem do local. Confesso que, pela primeira vez naquela viagem, partilhei do mesmo sentimento dos passageiros, não havia naquilo nada encantador e nada que pudéssemos nos orgulhar.
Minutos depois, vejo na poltrona da frente duas jovens que conversam sobre a beleza do pôr do sol na Lagoa de Calu e como o lugar é agradável. Fiquei atenta a vista, aquela Juazeiro traria à tona mais uma das suas faces. Após o contorno, avisto um céu azul, algumas árvores e uma estrutura rústica de madeira que trazia na sua fachada o nome Alpendre. Adiante, lá estavam as águas da lagoa com patinhos a se refrescar, uma quadra de esportes onde meninos corriam alegremente atrás de uma bola e uma via na qual pessoas caminham, correm e conversam tranquilamente. Surpreendo-me com aquele cenário, um ambiente de paz, que acende em mim a vontade de seguir explorando Juazeiro.
Saindo da lagoa, o ônibus segue em direção a uma avenida larga. Aguço meu olhar. Uma senhora de vestido rosa sentada atrás de mim fica admirada com a minha curiosidade e pergunta: Você é de onde? Surgiu, no meu semblante, um leve sorriso: sou dessa cidade, mas há muito não a olhava como hoje. Para a senhora, a resposta não causa espanto, ela então relembra de como tudo era no passado: "Tenho 75 anos, não gosto mais daqui. Quando eu era jovem isto era o Cais, um movimentado centro comercial no qual embarcações atracavam e desembarcavam com mantimentos e os mais diversos produtos da região. Nesta época, as pessoas se olhavam, se reconheciam, tinham apreço ou então respeito. Hoje, tudo está tão diferente. Aqui agora é a orla, que para mim não passa de um ponto de farras e prostituição'". Indignada, a senhora continua: acabaram com tudo que havia e construíram a praça São Tiago Maior e a estátua do Nego d água pensando que assim trariam a beleza de outrora. Mas isso não aconteceu, nem vai.
Escutei toda a fala da senhorinha, e realmente tive que concordar com ela, os juazeirenses tinham uma paisagem linda aos seus pés, mas, apáticos, deixaram o cais se tornar isso, uma orla, repleta de bares e pessoas alegres que dançam, nas calçadas, baladas. Outras se divertem reencontrando amigos.
Quase impossível não me comover com o saudosismo desses cidadãos juazeirenses que choram à antiga Juazeiro, mas prefiro pensar também que a modernidade não trouxe apenas frustrações. A cidade provou o doce sabor de ser considerado um dos pólos da fruticultura irrigada e desde 2002, pólo universitário, com a chegada de mais uma universidade. Prefiro pensar dessa forma. Contudo, não consigo deixar de ecoar no meu íntimo o sentimento de perda que vi nos olhos da senhora.
Passada a decepcionante experiência após as reflexões da senhora me fechei em mim mesma. O percurso estava no fim, o ônibus estava subindo a rampa em direção à Petrolina. Na ponte me senti novamente em paz, em cima daquela imensidão de águas. Chegando a cidade vizinha, o ônibus para 15 minutos no semáforo, um rapaz vira para o outro e diz: “aqui tudo é diferente, as pessoas respeitam os sinais de trânsito, preservam a cidade”.
A partir dessa fala e todas as experiências vividas pude então compreender: Juazeiro não era igual a Petrolina, não era como já foi antes. As pessoas não a enxergavam por um motivo, porque ela não era, sim, a mais admirável Juazeiro.
Juliane Peixinho (texto)
Graduanda do 8º período do Curso de Jornalismo em Multimeios da UNEB
Emerson Rocha (foto)
Graduando do 8º período do Curso de Jornalismo em Multimeios da UNEB
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